segunda-feira, 6 de junho de 2011

Google: muito além de 2001

* 12 de setembro de 2010|
* 20h03|
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Por Redação Link

William Gibson, The New York Times

“As pessoas não querem que o Google responda perguntas”, disse Eric Schmidt, CEO da empresa, em recente entrevista. “Querem que ele diga o que devem fazer.” Será? Creio que sim.

A ficção científica não previu o Google, mas imaginou computadores capazes de nos guiar. HAL 9000, de 2001 – Uma Odisseia no Espaço dava bons conselhos – até começar a apresentar defeitos. Mas HAL era uma entidade distinta, como o gênio da lâmpada. O Google é uma entidade distribuída, uma membrana de mão dupla, uma ferramenta que altera as regras do jogo. E também é uma imensa corporação.

Nunca vimos nada igual. Gostaríamos que o gênio deixasse o mundo mais navegável. O Google faz isso. O Google não é nosso, o que parece estranho, pois somos seus provedores de conteúdo. Cada busca que fazemos é uma contribuição. Ele é feito de nós, um recife de coral de mentes humanas e do produto delas. Ainda assim torcemos o nariz para a frase de Schmidt.

Estaria ele dizendo que, quando pesquisamos restaurantes, o Google pode dizer “veja um filme”? Se o gênio recomendasse o filme, aceitaríamos. Se o Google fizer isso, ficaremos incomodados e faremos uma nova busca.

Nunca imaginamos que a inteligência artificial seria assim. Raramente previmos que tecnologias deixariam a legislação comendo poeira. Num mundo marcado por mudanças tecnológicas, somos obrigados a legislar após os fatos, enquanto as arquiteturas do futuro são erguidas por entidades como o Google.

Até pouco tempo, o ciberespaço era um “outro lugar” a que íamos de vez em quando, mergulhando nele a partir do mundo físico. Agora o ciberespaço virou do avesso. Colonizou o físico, fazendo do Google uma unidade estrutural em evolução e central à arquitetura não só do ciberespaço, mas do mundo todo. É o tipo de coisa que impérios faziam. Mas impérios não eram órgãos da percepção global. Tinham muitos olhos, mas não eram um só olho multifacetado para toda a humanidade.

O Panóptico, prisão pensada por Jeremy Bentham, é uma metáfora nos debates sobre vigilância digital, mas não é adequado a uma entidade como o Google. O olho-que-tudo-vê de Bentham observa a partir de um ponto central. No Google, somos ao mesmo tempo os vigiados e as células da retina sentinela. Fazemos parte de um super-Estado, pós-geográfico e pós-nacional, que diz não à China. Ou diz sim, dependendo do lucro e da estratégia. Mas nossa participação não chega até aí. Somos cidadãos, mas sem direitos.

Boa parte do debate sobre a entrevista de Schmidt girou em torno de outro comentário: a sugestão de que jovens que se expõem em redes sociais podem precisar de uma nova identidade para a idade adulta. Neste caso, o Google permite que as peças da sociedade se encaixem a esmo, para, depois, serem organizadas até o limite de suas possibilidades, enquanto a construção da arquitetura do novo mundo prossegue.

Se o Google estivesse preocupado com isso, poderia emitir identidades provisórias para as crianças. Ao chegar à maioridade, a pessoa poderia escolher se quer ou não associar a identidade infantil à adulta. A ausência de infância despertaria suspeitas e geraria uma indústria de adolescências falsas, dando lucro a muitos autores de ficção.

Não considero essa hipótese muito realista. E acho desconfortável a ideia de confiar na promessa do Google de jamais associar a sóbria maturidade de uma pessoa à sua juventude selvagem. Imagino que aqueles que cometem indiscrições terão de buscar algo de positivo nessa experiência, enquanto os mais espertos, apropriando-se de pseudônimos, se arrastam rumo a um futuro mais passível de ser incluído numa busca; um futuro no qual o Google, mais do que hoje, nos diga o que fazer a seguir.